O Brasil vai parar nesse “7 de Setembro” para assistir com muita tensão e apreensão o que se seguirá nas principais cidades do País. É que vivemos dias terríveis em que se fala abertamente na promoção de um golpe de Estado contra um possível resultado desfavorável nas urnas àqueles que estão no poder. Uma inversão de valores fantástica. Uma declaração de guerra à democracia, ao Estado de Direito e a tentativa de perpetuar a situação econômica e social imposta no país, aliás, por outro golpe de Estado, iniciado e desenvolvido a partir de 2016.

A história do Brasil tem sido assim; uma sucessão de golpes, de tragédias políticas e de atrasos sociais meticulosamente pensados e arquitetados pela chamada elite.

Mas, a história do Brasil também tem o outro lado. O lado dos que sempre lutaram com sensatez, altivez e lucidez em busca da democracia política, social e econômica. E, felizmente, do lado de cá, à frente dessa luta, estiveram, estão e sempre estarão, os artistas que, com brilhantismo, nos contam a nossa história...de outro jeito. Como a da Independência do Brasil, por exemplo.

Trinta anos antes...

“Sala do Oratório da Cadeia Pública do Rio de Janeiro, abril de 1792. Entra Tiradentes encadeado. Tiram-lhe as correntes para que ouça a sentença. Veste-se da maneira tradicional. Ao que o Escrivão, com fala branda e suave pronuncia:

Escrivão - “...Portanto, condeno o réu Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha, o Tiradentes - alferes, que foi da Tropa Paga da Capitania de Minas a que, com baraço e pregação, seja conduzido pelas ruas públicas ao lugar da forca e nela morra de morte natural para sempre, e que, depois de morto, lhe seja cortada a cabeça e levada à Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto, onde no lugar mais público dela será pregada em um poste alto, até que o tempo a consuma; e o seu corpo será dividido em quartos e pregados em postes pelos caminhos das Minas, no sítio da Varginha e das Cebolas, aonde o réu teve suas infames práticas, e os mais nos sítios de maiores povoações, até que o tempo também os consuma. Declaro o réu infame e seus filhos e netos, tendo-os. E os seus bens aplicam para o Fisco e Câmara Real. E a casa em que vivia será arrasada e salgada para que nunca mais no chão se edifique e, não sendo própria, será avaliada e paga ao seu dono pelos bens confiscados e no mesmo chão se levantará um padrão, pelo qual se conserve em memória a infâmia desse abominável réu.”

Assim começava a consagrada peça de teatro “Arena Conta Tiradentes”, que estreou em São Paulo, no dia 21 de abril de 1967. A peça, encenada pelo Grupo de Teatro de Arena, com Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal à frente, abordava a vida de Tiradentes em um espetáculo, cujo tema principal era a Inconfidência Mineira. Tiradentes foi retratado como herói revolucionário. Evidente que tudo era um pretexto para se discutir a ditadura militar pré-AI-5 que vivíamos.

Se Tiradentes foi, de fato, herói nacional ou não, O certo é que a morte do Alferes, revestido de toda a pompa, serviu como lição clara para todos aqueles que ousassem se levantar contra o poder da Coroa Portuguesa.

A chamada Inconfidência Mineira foi um movimento em que reuniu alguns fazendeiros, criadores de gado, exploradores de minas de ouro, magistrados, militares da região, alguns intelectuais, como o poeta Cláudio Manuel da Costa, para organizar uma revolta contra a opressão da Coroa.

A cobrança de altas taxas e impostos e a degradação e a pilhagem como punição a quem não as pagassem estimularam o grupo de Tiradentes a promover um levante, que só não foi vitorioso porque foi delatado às autoridades por um próprio “inconfidente”, Joaquim Silvério dos Reis.

Todo o Grupo foi sentenciado à morte. Mas, todos, exceto Tiradentes, tiveram suas penas comutadas. Silvério dos Reis teve suas dívidas perdoadas. Cláudio Manoel da Costa foi encontrado morto enforcado dentro de sua cela em circunstâncias até hoje não explicadas.

Trinta anos depois...

Outra história também contada no Teatro retrata os episódios passados 30 anos após o enforcamento de Tiradentes. A história nos conta que o Príncipe Regente D. Pedro I foi decisivo para a Independência do Brasil da Coroa Portuguesa. Só que não. A peça “Leopoldina, Independência e Morte”, dirigida por Marcos Damigo, cuja estreia foi em 2018, em São Paulo, recupera brilhantemente a trajetória de Carolina Josefa Leopoldina Francisca Fernanda de Habsburgo-Lorena (1797-1826), a primeira Imperatriz brasileira. Na verdade, a nossa Imperatriz Leopoldina teve papel muitas vezes mais importante do que D. Pedro. Sabem o por quê? Porque foi ela quem, de fato, separou o Brasil de Portugal na condição de primeira mulher Chefe de Estado brasileiro, já que D. Pedro havia se ausentado para passar alguns dias de folga em Santos. Logo após a decisão política e de tomar as primeiras providências burocráticas, enviou um emissário para comunicar a nova situação a D.Pedro.

No entanto, a exemplo de outras tantas intelectuais e trabalhadoras brasileiras massacradas ao longo desses 200 anos, a Imperatriz Leopoldina, nossa primeira chefe de Estado, também foi vítima da injustiça e do esquecimento.

Ainda bem que abnegados artistas levantam suas bandeiras no teatro, no cinema, na música, nas artes plásticas para reestabelecer a história e contar os fatos sob o ponto de vista de quem nunca teve voz para contá-las. Até porque, ao longo desses 200 anos de “independência”, com muitas aspas, as artes e os artistas sempre foram os primeiros a serem perseguidos e censurados. Assim como Tiradentes, Zumbi dos Palmares, Chico Mendes, Santos Dumont, Anna Nery, Anita Garibaldi, Zuzu Angel e Clara Camarão, líder indígena que lutou contra a invasão holandesa em Recife; Dona Leopoldina poderia figurar tranquilamente entre os heróis e heroínas nacionais.