Superman, de James Gunn, é como se a ficção decidisse parar de disfarçar que, no fundo, sempre foi um comentário político — e dessa vez resolveu esfregar isso na nossa cara com orgulho. O que é ótimo. Afinal, antes de ser o queridinho moralmente impecável da DC, o Homem de Aço foi, historicamente, um produto de uma época em que “defender o sonho americano” significava também enfrentar banqueiros corruptos e industriais exploradores. Ele já nasceu político, e — detalhe que muitos esquecem — nasceu também imigrante ilegal. Pense bem: um alienígena que caiu do céu sem ser visto, sem green card, e ainda foi adotado por uma família do interior do Kansas. Se fosse um kryptoniano pobre, sem superpoderes, teria virado estatística de deportação. Mas como levanta tratores com uma mão, o sistema resolveu fazer vista grossa.
Gunn abraça essa contradição e a expande: seu Superman voa para conflitos internacionais como se fosse um “braço armado humanitário” — aquele mesmo eufemismo usado quando a diplomacia cede lugar a drones e mísseis. Tem hora que é impossível não pensar em analogias com guerras reais, como o conflito Ucrânia x Rússia, ou a tragédia persistente Israel x Palestina. O filme sabe que está pisando nesse território e, longe de suavizar, coloca o espectador no desconforto de ver um deus alienígena impondo “ordem” em cenários onde talvez ele seja tão invasor quanto salvador.
Mas não é só sobre geopolítica e dilemas morais. Gunn é esperto: ele corta o blá-blá-blá da origem repetida mil vezes. Aqui, Clark já é repórter, Lois já é Lois (e não um adereço romântico), e o Planeta Diário já está em pleno funcionamento. Não há longas sequências explicativas, apenas ação, tensão e diálogos que respiram. E nesse ritmo, o Lex Luthor de Nicholas Hoult surge como o vilão mais afiado em anos: maquiavélico, calculista, o ser humano que olha para um alienígena invulnerável e diz “não no meu planeta”. Hoult dosa a raiva com o charme de um político que sabe manipular o medo coletivo — algo muito familiar no noticiário, aliás.
A galeria de coadjuvantes é variada, e até o Supercão — que podia ser uma piada frouxa — funciona dentro do contexto. O Lanterna Verde, que eu temia virar pastelão, equilibra bem o alívio cômico sem tirar o peso dramático. E sim, temos Superman apanhando feio, o que é sempre terapêutico para quem acha o herói “invencível demais”. Gunn filma as lutas com câmera nervosa, velocidade e impacto — uma experiência que ganha no IMAX, com efeitos que não caem na armadilha do excesso plástico.
No fim, é um filme que entrega ação de blockbuster, reflexões políticas dignas de debate e ainda mantém espaço para momentos de humor bem dosado. É o Superman mais interessante dos últimos tempos — não só como herói, mas como espelho de um mundo onde até salvadores precisam lidar com fronteiras, ideologias e consequências.
Ficha Técnica:
Superman
Título Original: Superman
Direção: James Gunn
Ano: 2025