O romance seminal de Mary Shelley, volta às telas pelas mãos de Guillermo del Toro — e, como era de se esperar, o cineasta mexicano transforma o gótico em espetáculo visual e emocional. Desde “O Labirinto do Fauno” (2006) até o vencedor do Oscar “A Forma da Água” (2017), Del Toro vem lapidando uma assinatura inconfundível: monstros como espelhos de humanidade, a fábula que se cruza com a tragédia e um olhar melancólico sobre o amor e o abandono.
Shelley escreveu Frankenstein ou o Moderno Prometeu, em 1818, aos 18 anos, durante uma tempestade suíça e em meio a discussões sobre ciência, imortalidade e criação divina — uma gênese literária tão romântica quanto sombria. O livro, muito mais que uma história de terror, é uma reflexão sobre o limite entre o homem e Deus, o criador e o filho rejeitado, a ciência e o afeto. O diretor resgata essa essência com vigor: seu filme não é sobre um monstro, mas sobre o amor que faltou a ele.
Oscar Isaac interpreta Victor Frankenstein com intensidade contida — um cientista dividido entre a genialidade e a culpa. Já a criatura, interpretada com fisicalidade impressionante, carrega uma tristeza quase infantil, que evoca tanto o Frankenstein trágico de Boris Karloff, na versão de 1931, quanto o lirismo de Robert De Niro na adaptação de Kenneth Branagh, em 1994.
Visualmente, o filme é um deleite. A fotografia é banhada por tons frios, pontuada por velas, vapor, sombras e ratos. Há ecos de “Nosferatu”(1922), de Murnau, e de todo o expressionismo alemão que moldou o horror moderno. O diretor, fiel aos efeitos práticos, cria um mundo tátil, em que a carne e o ferro parecem pulsar. E, claro, há o toque de humor mórbido característico de Del Toro, aquele “foda-se a IA” que ele lançou na estreia e que soa quase como uma defesa da imperfeição humana.
O elenco de apoio, no entanto, sofre: Christoph Waltz e Mia Goth são subaproveitados, presos a personagens que prometiam mais densidade. Mesmo assim, o eixo central — Victor e sua criatura — sustenta o filme com folga. A subjetividade entre criador, criação e a ausência de amor é tratado como uma parábola para a paternidade (Del Toro já confessou que o roteiro foi inspirado na relação com seu próprio pai, Federico del Toro).
Há momentos em que o filme cansa, sim. A narrativa se alonga e o ritmo se perde entre a beleza plástica e o excesso de contemplação, ainda assim a película entende o que muitos esqueceram: Frankenstein nunca foi sobre monstros. Foi sobre homens que criam e destroem, amam e abandonam. Mary Shelley sabia disso há duzentos anos, quando escreveu que o verdadeiro horror não estava na criatura — mas no criador que foge de sua responsabilidade.
O Frankenstein de Del Toro não reinventa o mito — ele o humaniza. E talvez, no mundo de 2025, essa seja a nossa maior quimera.
Ficha técnica
Título: Frankenstein
Direção: Guilherme Del Toro
Ano: 2025



