Relatos do Mundo, filme protagonizado por Tom Hanks, deve receber uma penca de indicações para o Oscar. Um faroeste humanista, melancólico, com bela fotografia, direção e trilha sonora, que se encaixa bem na linha revisionista da história dos Estados-não-muito-Unidos da América.

O capitão Jefferson Kyle Kidd, veterano da guerra civil, tem como atividade levar notícias aos rincões mais isolados do Sul ainda marcado pela derrota. Lê jornais em troca de algumas moedas, em cada povoado. E logo no início da narrativa encontra uma garota órfã, Johanna, de origem alemã (vivida de forma impressionante por Helena Zengel), cujos pais foram mortos e foi criada por índios da nação Kiowa, também eliminados pelo sanguinário avanço branco nas pradarias. Ela é uma dupla órfã, abandonada e sem falar uma palavra de inglês.

O capitão toma como missão entregá-la a parentes distantes, tios que moram em outro estado, 500 km de distância. A jornada não será fácil, e a relação entre eles vai sendo construída de forma sutil, apoiada em imagens deslumbrantes e uma trilha sonora discreta e eficiente.

Quem quiser saber mais assista o filme, não irá se arrepender. Uma releitura sensível e introspectiva do faroeste clássico americano, onde os cinéfilos irão reconhecer de cara a óbvia referência ao clássico Rastros de Ódio, de 1956. Ali o também veterano da guerra civil John Wayne reencontrava uma garota, sua sobrinha, que teve os pais mortos e foi sequestrada e criada pelos índios.

Quero aqui chamar atenção para um detalhe, uma subtrama que pode passar desapercebida para algumas pessoas, e que não vai interferir na fruição da narrativa. O filme, baseado num romance de Paulette Jiles, News of the Word, acompanha um apresentador de notícias pré-rádio, pré-televisão. E as notícias que ele narra nem sempre são boas.

O diretor Paul Greengrass escancara as cicatrizes da guerra de Secessão, mostrando o rancor incontido dos sulistas quando a notícia se refere ao “governo central”. O público se comporta de maneira desigual: ou reage de forma figadal, xingando os políticos, ou passivamente, acatando bovinamente as informações selecionadas pelo capitão-leitor.

Poucas moedas pingam na sua caneca, o suficiente para que ele vá até outra localidade continuar sua tarefa. Numa delas, é rudemente cercado por uma gangue, chefiado por um sujeito que é a lei do lugar: é prefeito, delegado e juiz, e todos trabalham para ele. Imagine uma espécie de Serra Pelada, nos anos 70, com um repórter se deparando com um Major Curió…

A cena em que o torturado Capitão Kidd (sim, ele tem crises de consciência!) consegue maior empatia com o seu público é quando abandona os relatos políticos ou econômicos, que afetam diretamente a vida das pessoas, e narra um fait divers, uma mera curiosidade, que arranca risos gerais. A audiência aumenta, as moedas tilintam com mais ressonância.

Está ali retratado o embrião do “jornalismo” de nossos tempos. O entretenimento em lugar do que realmente interessa. A espetacularização da notícia, o destaque às bizarrices ao invés das manobras políticas e econômicas que irão afetar diretamente a vida das pessoas. A dramatização dos fatos, jogando poeira nos olhos do espectador. Em vez de dizer que a gasolina subiu 7%, e isso vai afetar toda a cadeia produtiva, até o preço do arroz no mercado, nossa TV envia um/a repórter (bonito/a, de preferência) até um posto, onde ele/a dirá de forma teatral que “a gasolina agora nesta bomba custa 5,10 o litro”. Ah, que raiva da bomba do posto de combustível!

Capitão Kidd nem precisa de tal artimanha. Intuitivamente descobre que falar do suposto morto que ressuscitou, do pai que jogou a filha pela janela, da briga de fulaninho com fulaninha no BBB, pode render mais audiência (e lucro) que falar de assuntos sérios que afetem a comunidade e a levem a uma mobilização. A notícia que não vai mudar nada na vida de ninguém, devidamente teatralizada, é um sucesso garantido. Trata-se de um precursor da mídia de nossos tempos, sem dúvida.

O capitão irá encontrar os tios e devolver a menina? Bem aí é com vocês. Preparem a pipoca e boa diversão!

*Daniel Brazil é roteirista, diretor de TV e colaborador do CCN Notícias. Escreve regularmente para os sites "Revista Música Brasileira", "A Terra é Redonda" e alimenta seu blog "Fósforo", sobre literatura.