A ministra do Planejamento Simone Tebet diz tentar montar uma equipe com mulheres pretas, mas diz também que está com dificuldades para encontrá-las já que, ainda hoje, são arrimos de família. Por que ela diz isso? Vejamos.

A Lei n° 1, de 14 de janeiro de 1937, que discorre sobre Educação diz: “São proibidos de frequentar as escolas públicas: Primeiro: pessoas que padecem de moléstias contagiosas. Segundo: os escravos e os pretos africanos, ainda que sejam livres ou libertos”. Já a Lei n° 5.465, de 3 de julho e 1968, abordava, pela primeira vez, a “lei de cotas”, mas não para negros e negras, mas sim, para os filhos de donos de terras, que conseguiram, a partir desta lei, vagas nas escolas técnicas e nas universidades.

Assim como essas leis, outras tantas foram sancionadas reafirmando deixar a população negra escravizada ou liberta cada vez mais alheia aos direitos, mantendo-a, aos olhos da população, apenas como “corpos reprodutores” e “produção de força de trabalho braçal”.

Em 1988, com a promulgação da nova Constituição, após 488 anos, o Artigo 4° diz: “A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: II – prevalência dos direitos humanos; VI – defesa da paz; VIII – repúdio ao terrorismo e ao racismo.”

No entanto, foi só em 2001, durante a III Conferência Mundial Contra o Racismo, em Durban, África do Sul, que o estado brasileiro reconheceu a importância das políticas públicas, enquanto reparação histórica racial, e o resultado de décadas nas lutas do movimento negro para que pudessem ser vistas perante a Lei e para que a população negra não fosse entendida como mão de obra barata e sem acesso ao direito primordial.

Bem. E o que essa breve síntese tem a ver com a frase da ministra Tebet: “Não encontro mulher negra pra essa vaga. E a gente sabe, lamentavelmente, que mulheres pretas normalmente são arrimo de família. Trazer de fora de Brasília é muito difícil”?

Mesmo com as políticas públicas, leis, cotas raciais, maior inclusão de vagas para mulheres negras e o aumento da população negra na última década, as mulheres negras ainda têm sub-representação no mercado de trabalho. Tanto a estrutura corporativa, quanto a política têm uma enorme resistência em contratar mulheres negras. A realidade rígida, machista e, infelizmente, racista dos recursos humanos na hora da contração é muito mais profunda que, simplesmente, “sermos mulheres negras enquanto arrimo de família”. Pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) indica que, entre janeiro e março de 2022, das quase 49 milhões de mulheres negras em idade para trabalhar, apenas metade estava inserida no mercado de trabalho (51,2%). O estudo foi feito com base nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Isso significa que só metade das mulheres negras consegue uma vaga e, mesmo assim, com salários baixos e em condições ruins, e tampouco, estão em posições de liderança.

Mesmo com a grande discrepância educacional entre séculos e da população negra ainda ter dificuldade no acesso a uma educação de qualidade, temos mulheres negras altamente capacitadas, sim, para trabalhar no Ministério do Planejamento e Orçamento, tomando e executando decisões importantes, analisar e planejar custos, controlar orçamentos, liberar fundos para estudos e projetos de governo etc. Acredito que, ao invés de declarar tal “dificuldade em contratar mulheres pretas”, a ministra Simone Tebet poderia falar sobre como numa sociedade patriarcal e branca, majoritariamente, associa intelectualidade e grandes currículos somente a corpos não-negros, ou então à bolha do “Quem Indica” dentro da política e de acordos que, anos após anos, mantêm a branquitude no poder, dando, inclusive, o direito de pessoas brancas, durante as eleições, descobrirem que são negras.

Autoria
É graduada em Arqueologia pela UFS, assessora da Secretaria Nacional de Combate ao Racismo, da Central Única dos Trabalhadores, ativista social, mulherista africana e colaboradora do CCN Notícias.
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