Saí do apartamento onde moro no bairro das Perdizes com sol e temperatura agradável, apesar do frio intenso dos últimos dias.
Encontrei uma mulher negra, de mãos dadas com uma menina branca. O que chamou minha atenção foi o fato da menina estar vestida de bailarina (há uma escola de balé conveniada com o Ballet de Cuba na minha rua) e a mulher com uniforme de empregada doméstica (branco com um avental cinza).
Passei por restaurantes lotados pelos funcionários do hospital S. Camilo (estamos na hora do almoço), vejo dois homens tomando vinho em taças grandes e um homem de, aparentemente, mais de cinquenta anos com uma caixa de engraxate no ombro. Pensei que não via isso há um bom tempo e, instintivamente, olhei os calçados dos próximos procurando sapatos de couro (sem muito sucesso).
Atravesso a avenida Pompéia e começo a descer em direção ao estádio do Palmeiras por uma rua paralela mais tranquila. De repente, umas oito pessoas correndo em grupo (tipo marcha) de alguma academia das redondezas.
Muitas árvores e um sabiá entoa seu canto de defesa do território, misturado com o som dos belos e caros carros que custam um patrimônio (como dizia um amigo italiano), normalmente, com apenas um motorista apressado.
Na avenida Matarazzo, entrei no shopping para consultar alguns preços. Ao sair, encontrei um grupo de pessoas cozinhando em um fogão improvisado, embaixo do viaduto (em frente ao shopping). Paro um momento, como se estivesse esperando o trânsito, e observo discretamente que só tinha uma mulher e mais de dez homens.
Ao passar pelo parque da Água Branca, vejo pelas frestas do muro, pessoas caminhando e lembrei-me da feira do MST. Decidi passar pelo Armazém do Campo (é uma loja do MST) numa rua perto da avenida Angélica.
Cheguei ao corredor dos ônibus, embaixo do viaduto Minhocão, e caminho pela calçada central, que também é uma ciclovia. Ao percorrer esse trecho, vejo muitas barracas de acampamento com pessoas sem-teto. Todo tipo de gente nessa situação (homens em sua maioria, mas também famílias com crianças) e algumas barracas com cães bem cuidados.
Alguns dormiam e lembrei de uma conversa com um catador em situação de rua que explicou o por quê dormia durante o dia: "era mais seguro, pois à noite, os ataques e a violência aumentam". E também o comércio coloca os recicláveis na calçada após o fechamento das lojas.
Esse cenário continua até o fim do viaduto com muitas barracas de acampamento (a primeira vez que vi essas barracas com sem-teto, foi em Paris há anos atrás).
Fui à loja do MST e depois entrei no sacolão vizinho na mesma calçada para comparar preços. Entre as bancas avistei dois jovens com kipá (aqueles chapéus pequenos pretos colocados no centro da cabeça), lembrei que estava próximo de Higienópolis (um bairro com forte presença judaica).
Na avenida São João, um homem que andava na minha frente, jogou uma embalagem de salgados no chão. Tive a vontade de pegar o lixo, correr até ele e dizer:
- Moço, o senhor deixou cair isso!
Minha filha Isadora fazia isso quando era criança.
Pensei melhor, e se a embalagem estiver contaminada? É melhor tomar cuidado nesses tempos de pandemia. Com esse pensamento sanitário, acovardei-me!
Numa esquina adiante, um homem mancando e com uma forte descamação na pele, grita umas palavras em uma língua que desconheço (imagino ser da Nigéria) para um outro vestido com indumentária africana que finge não ouvir, e aperta o passo atravessando a avenida Ipiranga.
Ainda na avenida, há novas lojas de africanos que não conhecia; são restaurantes, bares, salão de beleza para cabelo Afro e um pequeno mercado.
No Vale do Anhangabaú, a reforma de mau gosto que concretou tudo, herança do falecido prefeito Covas (o neto). Felizmente, a juventude estava desfrutando com manobras de skate. Atravesso no meio deles e um skate veio em minha direção, paro-o com o pé e atrás dele chega correndo uma menina, vestida de menino.
- Desculpa aí, tio.
Cheguei na rua 25 de março, entrei em várias lojas, consultei preços e não comprei nada. Encontrei muitas pessoas com roupa de verão (estamos no inverno mais frio dos últimos anos) e uma mulher com véu, típico dos mulçumanos.
Subo a ladeira e no Pátio do Colégio uma manifestação de povos indígenas, denunciando o governo do Bozo pela política de genocídio e a não demarcação das terras dos índios.
Perto da Praça da Sé, encontro e compro o que procurava, sem deixar de perceber a multidão de pedintes, sem-tetos, candidatos a pastor com a bíblia na mão gritando para os transeuntes que não paravam e o cheiro de crack dominando o ambiente.
Começando a voltar para casa, a música do Garoto, Vinícius de Moraes e Chico Buarque ecoa em algum canto da minha mente:
"Eu que não creio, peço a Deus por minha gente, é gente humilde, que vontade de chorar."
*José Paulo Barbosa é professor, escritor e militante de causas sociais e ambientais.